Artigo: Falta de educação

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Por: Rodrigo Segantini*

Um dos sujeitos que mais entenderam o que é o Brasil foi Darcy Ribeiro. O sujeito era um gênio, sua obra “O Povo Brasileiro” revela não apenas o que é nosso país, mas sobretudo quem é nossa gente e o que torna nossa nação essa entidade que parece que somos capazes de identificar. Ele foi ministro da Educação, senador da República e imortal da Academia Brasileira de Letras. É dele uma frase genial, lavrada em 1982, durante uma conferência sobre educação um momento em que eram questionados os gastos públicos com Educação: “Se os governantes não construírem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir presídios”.

De fato, todos concordamos que devemos investir mais em educação para que possamos qualificar e capacitar nossos jovens e crianças. Porém, não basta erguermos prédios e chamá-los de escolas. Devemos repensar nossas escolas para torná-las espaços mais acolhedores, que favoreçam a formação e a existência da comunidade em si e em seu entorno. Basta conversar com os alunos e seus familiares mais atentamente para se saber que as maiores queixas sobre os estabelecimentos de ensino não são necessariamente referentes a suas instalações prediais, mas sim sobre a falta de compatibilidade do conteúdo que é ministrado e ensinado e os conhecimentos do mundo real, os quais, embora sejam necessários na vida prática, não são aplicados.

Desde a criação do Fundo Nacional para Desenvolvimento da Educação, antes Fundef e agora Fundeb, há mais de vinte anos, quando se diz sobre investimento em Educação, é pensado em construção de escolas, em prédios que são erguidos, ampliados ou reformados com o propósito único e exclusivo de atender a uma meta legal que impõe que a administração gaste sua parca e escassa arrecadação obrigatoriamente em despesas na área. Porém, embora Darcy Ribeiro tenha proposto há quarenta anos que deveríamos construir mais escolas, certamente não se referia às instalações prediais necessariamente.

A escola vai muito além de quatro paredes. O filósofo Aristóteles, considerado um dos pais da Filosofia, não gostava de dar aulas em lugares fechados, mas sim em espaços abertos e até mesmo enquanto caminhava. Por isso, quando se trata de fazer investimentos em Educação, pensar em obras arquitetônicas não deveria ser uma prioridade. Mais importante do que tudo é que sejam dadas condições para que os alunos tenham condições de encontrar o espaço adequado para se desenvolverem.

Neste contexto, é lamentável que o Ministério Público tenha que ajuizar uma ação civil pública para que a Prefeitura seja obrigada a reformar os prédios de várias escolas municipais para que os alunos tenham condições de frequentá-las. Observe: os prédios não são importantes, mas a situação está crítica a tal ponto que reformá-los se torna prioridade. Em alguns casos, segundo a Promotoria de Justiça, as escolas estão sem condições sanitárias e infestadas por pombos que comprometem a salubridade de seus espaços. Se Darcy Ribeiro soubesse em 1982 o que estaria acontecendo em Taquaritinga em 2023, ele não diria aos nossos governantes que deveríamos nos preocupar em manter em ordem e em condições de uso os prédios da escola para que as crianças pudessem ter a possibilidade de frequentá-las.

Por outro lado, embora entendendo o propósito do Ministério Público em ajuizar a ação mencionada, o fato é que essa pode ser apenas a ponta do iceberg. Se o amigo leitor tiver a oportunidade de conversar com um servidor público municipal, vai perceber que reformar as escolas que o promotor de justiça elencou em sua demanda pode não ser necessariamente a prioridade do momento. A situação da cidade está crítica e o cenário em curto e médio prazos é duvidoso. O descaso que se verifica com os servidores públicos em geral deve ser considerado mais grave do que aquele que se verifica com os prédios escolares.

Sem escolas, as crianças ficam com sua formação comprometida, o que pode afetar o futuro da cidade. Porém, uma gestão periclitante no trato do funcionalismo afeta a cidade no tempo presente. O futuro é uma possibilidade, o presente é uma realidade. Sem escolas em condições adequadas, as crianças poderão ter problemas de aprendizado. Com o funcionalismo sem condições de trabalho, toda a população fica sem serviços públicos adequados – desde a zeladoria e a limpeza das ruas e praças até o atendimento de saúde nas UBSs, passando pelo mais crucial de tudo, que é o pagamento dos salários dos servidores públicos em dia.

Sem escolas em boas condições, falta educação. Mas tratar o funcionalismo público com tanto desleixo é mais do que falta de educação. Alguém está precisando ir para o cantinho do pensamento – ou para o banco de alguma sala de audiências no Fórum da cidade.

*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

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